a memória das mulheres na cidade
"Enfim, o feminismo desenvolveu uma imensa interrogação sobre a vida das mulheres obscuras. Tornar visível, acumular dados, instituir lugares de memória (arquivos de mulheres, dicionários...) foi uma das preocupações de uma história das mulheres em plena expansão, nos últimos quinze anos. E na falta de testemunhos escritos, buscou-se fazer surgir o testemunho oral. Nos interrogamos sobre o papel das mulheres nos acontecimentos públicos, por exemplo, a Resistência ou a ação das mulheres dissimulada na trama do cotidiano - uma sacola de compras, uma xícara de chá - era frequentemente considerável, do mesmo modo que sobre sua existência particular na vida social. De início as mulheres manifestavam reticências, seu pudor se abrigava sob o pretexto de sua insignificância. Dizer "eu" não é fácil para as mulheres a quem toda uma educação inculcou o decoro do esquecimento de si, a tal ponto que para contar sua vida, certa operária - Lise Vanderwielen, prefere se abrigar sob a ficção de um pseudo-romance.
Finalmente tudo depende da natureza da relação com a pesquisadora; uma certa familiaridade pode vencer as resistências e libertar um desejo recalcado de falar de si, com o prazer de ser levada a sério e ser, enfim, sujeito da história. As mulheres se acostumaram com o gravador, sentindo até um certo orgulho no uso dele. Os asilos femininos tornaram-se campo de pesquisa, com alegrias diversas, ligadas à qualidade das interlocutoras.
Essas experiências permitirão talvez um dia analisar mais precisamente o funcionamento da memória das mulheres. Existe, no fundo, uma especificidade? Não, sem dúvida, se se trata de ancorá-la numa inencontrável natureza e no biológico. Sim, provavelmente, na medida em que as práticas sócio-culturais presentes na tripla operação que constitui a memória - acumulação primitiva, rememoração, ordenamento da narrativa - está imbricada nas relações masculinas/femininas reais e, como elas, é produto de uma história.
Forma de relação com o tempo e com o espaço, a memória, como existência da qual ela é o prolongamento, é profundamente sexuada."
Michelle Perrot
Práticas da Memória Feminina em Rev. Bras. de Hist., S. Paulo, v9 n°18, pp. 09 | 18, ago.89/set.89
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